Coelho sem ovo




Um macaco que vivia na cidade é devolvido à natureza, mas leva consigo hábitos dos humanos. Ao ver um coelho, pede a ele que entregue ovos de chocolate a todos os animais. Como vai o coelho lidar com isso?


COELHO SEM OVO
Marcos Cárfora

Matias era um macaquinho sagui que foi retirado da floresta ainda quando filhote. Levado à chamada civilização, ele foi adestrado para participar de um espetáculo circense.
Aconteceu que, certo dia, o dono do circo, já bem idoso, faleceu, e o único filho, um ativista ecológico, resolveu continuar com o  trabalho do pai, mas sem as apresentações com animais. Ele então chamou as autoridades ambientais e lhes entregou cada um dos bichinhos, para que estes pudessem ser recolocados em seu habitat natural.

Foi assim que o macaco Matias voltou para a floresta, após passar por um longo período de readaptação.
O problema é que Matias levou consigo hábitos e costumes da civilização. Chegou um pouco tímido à floresta.

De início, procurou manter-se junto dos outros de sua espécie, mas percebeu que, com a quantidade de histórias que tinha para contar, logo se tornaria o centro das atenções.

Todos os animais – dos menores insetos aos maiores mamíferos – paravam para ouvir as histórias do macaco Matias. Ele, acostumado com o público a lhe aplaudir, atuava com desenvoltura, abusando dos gestos para ilustrar seus contos. Falava dos humanos, de como eram estranhos ao acharem graça de ver um macaco simplesmente “batendo palmas”. Contava das noitadas no circo, da música alta que tocava quando ele entrava no picadeiro, acompanhado de um humano que usava uma bola vermelha no nariz e tinha a pretensão de ser engraçado à frente do público, mas que, depois do espetáculo, era um tremendo mal-humorado.

Em um dia desses em que Matias contava suas histórias para um grupo grande de toda qualidade de bichos, percebeu que, no meio de sua plateia diversificada, havia um coelho que prestava tanta atenção ao que era contado como qualquer um dos que estavam por ali. Neste momento, Matias interrompeu sua história, ficou em silêncio por alguns minutos e, subitamente, começou a bater palmas. A plateia, sem entender, achou que deveria rir, como os humanos.

- VOCÊ! – exclamou o Matias, apontando para o coelho. Todos olharam para trás. Inclusive o coelho.

- Você aí, coelho! É de você que estou falando!

As atenções se voltaram para o coelho.

- E-eu? – questionou o coelho, um pouco assustado.

- Sim, sim! Você mesmo, belo coelhinho! Que trazes para mim?

- Hein? – o coelho estava ressabiado.

- Sim, você, coelhinho da Páscoa, que trazes para mim?

- Coelho do quê?

- Da Páscoa.

- Da onde?

- Páscoa. Coelho da Páscoa. Não se faça de besta.

O coelho, que apesar de fofinho e peludinho era bem invocado, franziu a testa, colocou as patas na cintura e falou:

- Quem você está chamando de besta?

- Desculpe-me, coelho. Agora entendi. Você não pode revelar sua identidade.

- Não estou entendendo...

- Eu aprendi na civilização, junto dos homens, que você, coelho, na época da Páscoa, entrega ovos de chocolate para todas as crianças.

- Ovos de quê?

- De chocolate.

- O que é chocolate?

- Você não sabe o que é chocolate?  HAHAHAHAHAHAHAHA! Que caipira! – o macaco Matias gargalhou. A plateia gargalhou junto. No meio da multidão, podiam-se ver alguns animais perguntando baixinho a outros: “o que é chocolate?”. Outros se perguntavam: “o que é caipira?”.

- Todo mundo sabe o que é chocolate, não é? – questionou o macaco. O silêncio que se sucedeu após a pergunta denunciou que ninguém ali sabia. O macaco fez uma cara de professor e esclareceu:

- Chocolate, meus caros , é um doce muito gostoso, feito de cacau.

- AAAAHHHHHH... – respondeu em coro a plateia.

- Mas é gostoso mesmo? – perguntou um tucano.

- Se é gostoso? Rapaz, é uma das mais gostosas guloseimas que já tive o prazer de experimentar.

- Puxa, também queria experimentar... – disse a capivara.

- Eu também... – reiterou o tucano.

- Quando eu acordar, vou querer experimentar. – disse a preguiça, pouco antes de fechar os olhos.

- CHOCOLATE! CHOCOLATE! – iniciaram um coro, as formigas.

- Ora, então, senhor coelho, mãos à obra! – animou-se o macaco.

- Hein? – mais uma vez, o coelho se espantou.

- É, veja só, todos querem experimentar! Trate, então, de botar uns ovos de chocolate para todos nós!

- Tá maluco, macaco? Eu não boto ovo! – irritou-se o coelho.

- Como assim, não bota ovo?

- Eu não sou uma ave para botar ovo. Sou mamífero!

- Tem mamífero que bota ovo. O ornitorrinco bota ovo e é mamífero – disse a coruja.

- O que é ornitorrinco? – perguntou a onça.

- Gente, gente! Calma! – ponderou o macaco – Vamos dar ao coelho algum espaço. Vamos lá, senhor coelho. O senhor consegue. Faça um pequeno esforço. Lá, na cidade, na época de Páscoa, a gente via cartazes com vários ovos de chocolate. À volta dos ovos, sempre havia um coelho.

- Talvez existam vários desses coelhos que fazem o tal de chocolate – disse o esquilo.

- Verdade – os outros concordaram.

- Pode ser – considerou o macaco – Talvez o senhor seja um desses coelhos com talento para botar ovos de chocolate. Vai ver, ainda não tenha descoberto como fazer. Façamos o seguinte: damos ao senhor alguns dias para que treine essa façanha. Quando tiver, então, botado ovos de chocolate para todos, organizaremos uma festa para a distribuição. Que lhe parece?

O coelho estava confuso. Será que ele conseguiria botar ovos, ainda mais de chocolate?

- Bem, eu... eu posso tentar, mas...

- MUITO BEM! – gritou o macaco Matias – Palmas para o senhor Coelho!

E todos aplaudiram.

- Pois bem, senhor Coelho, boa sorte. Avise-nos quando botar seu primeiro ovo.

A multidão se dispersou e o coelho foi pensativo para casa. Tentou, de todas as formas, botar o tal do ovo de chocolate. Virou de barriga para baixo, ficou de ponta cabeça, se pendurou numa árvore. Nada. Fez força – soltou um pum, ao invés de um ovo.

Os dias que sucederam foram, para o coelho, muito estressantes. Cada bicho que por ele passava deixava a situação ainda pior. “Confiamos no senhor!” – diziam. “Não esqueça meu ovo, hein?!” – cobravam.

Durante alguns dias, porém, ninguém mais viu o coelho. Passavam em frente sua toca, nem sinal dele. Os animais começaram a ficar preocupados.

- Calma pessoal! – dizia o macaco Matias – Ele deve estar muito ocupado, botando ovos para todos nós.

Então, em uma tarde de sol, enquanto o macaco Matias contava mais uma de suas histórias para os outros animais, eis que surge o coelho.

- Senhoras e senhores, vejam! É o nosso amigo coelho! – apontou Matias. Todos aplaudiram, entusiasmados.

- Onde esteve, senhor coelho? Há tempos não o vemos. Aposto que esteve muito ocupado ultimamente.

- Sim, um pouco.

- Então podemos marcar nossa festa?

- Claro! Fique à vontade!

- Então será amanhã mesmo! – determinou o macaco Matias. Houve um coro feliz, seguido de muitos aplausos.

- Não, façamos agora mesmo! – disse o coelho. A bicharada ficou extremamente alvoroçada.

- Que seja! Vamos começar a festa! – bradou o macaco – mas onde estão nossos ovos?

- Me dê um minuto que vou buscar.

Pouco tempo depois, o coelho retornou com um enorme embrulho em forma de ovo. Todos ficaram espantados e pode-se ouvir um “OOOHHHHH!” em coro.

- O que é isso, amigo coelho? – perguntou o macaco.

- Isso, senhor macaco, é o meu ovo de Páscoa.

Ao puxar a fita do embrulho, o então “ovo” se desfez, revelando uma enorme quantidade de frutas. Havia bananas, laranjas, maçãs, abacaxis e mangas. Tinha carambolas, limões, tangerinas. Frutas para todos os gostos. Os bichos ficaram maravilhados.

- Mas... não entendi... – disse o macaco.

- Ora, macaco – esclareceu o coelho – não é porque você me diz que eu tenho que botar um ovo, que eu vou botar. Eu sou o que sou. Cada um deve ser o que é, e não aquilo que dizem.

- Mas, e essas frutas?

- Ora, eu fico muito feliz em poder servir um lanche aos meus amigos. Inclusive, trouxe a você muitas bananas! Afinal de contas, o que é um ovo de chocolate comparado ao prazer de estarmos juntos daqueles que gostamos?

Todos aplaudiram o coelho. Foi uma festa de Páscoa muito legal, com os bichos conversando e se divertindo enquanto comiam as frutas. Ainda na festa, o macaco Matias disse:

- Sabe como essas frutas ficariam ainda melhores?

- Como? – perguntaram os bichos.

- Cobertas de chocolate!

Por causa desse comentário, o macaco ficou encarregado da limpeza da festa.

Março de 2015

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