Voo
SINOPSE
Um filhote de pardal e sua mãe passam juntos por um momento delicado e perigoso.
Como poderá o pequeno pardal enfrentar um trauma para poder novamente levantar voo?
VOO
Texto e ilustrações de Marcos Cárfora
Para meu pai e minha mãe,
por quem sempre valeu a pena lutar.
Foi
num dia quente de janeiro que aconteceu o primeiro maior milagre da vida dele,
um pardalzinho. Conseguiu finalmente romper a casca de seu ovo, que parecia tão
dura, e ver pela primeira vez a luz do dia.
Olhou para todos os lados o mais rápido que pôde com seus olhinhos ainda que meio fechados. Sua mãe observava-o silenciosamente, o coração dela estava aos pulos e a respiração ofegante num misto de alegria e orgulho. Era a primeira vez que tinha um filhote.
O
pequeno pardal, esgotado pelo cansaço da luta por conta do rompimento da casca,
pôs-se a descansar encostando sua pequena cabeça nas penas macias do colo de
sua mãe. Era ali para ele o melhor lugar do mundo, ainda que o pardalzinho mal
soubesse do tamanho do mundo.
Sentiu
fome e reclamou, abrindo o bico de uma tal forma que sua mãe chegou a se
assustar. Sem saber ainda o que fazer, ela enrolou-o com alguns fiapos do
ninho, aquecendo-o e partiu rapidamente em busca de algo para sua cria se
alimentar. O pequeno pássaro viu-se sozinho pela primeira vez e sentiu-se
desprotegido. Muito preocupado e assustado, chorou copiosamente. O vento soprou
um pouco mais forte e o pardalzinho sentiu frio sem entender o porquê da
solidão.
Pouco
tempo depois, a mamãe chegou, carregando algo no bico, que serviu para acabar
com a fome de seu filho. Ele comeu e ficou muito feliz com a sensação de
proteção que novamente tinha com sua mãe por perto.
Dias
e noites passaram e o pardalzinho foi crescendo. Em um dia ensolarado de
fevereiro, sua mãe levou-o próximo ao final do galho onde estava o ninho. Ele
olhou para baixo, e pela primeira vez sentiu um friozinho no estômago ao ver
aquela altura toda.
A
mãe então deu um passo à frente e de um sobressalto pôs-se a voar, batendo as
asas com graça e elegância. O pardalzinho a tudo observou encantado e imaginou
como seria bom ter o mesmo poder que sua mãe. Ela vencia o ar com tanta
facilidade, que a altura não parecia mais um problema, e vê-la fazer aquilo lhe
deu inspiração para tentar o mesmo.
A
mãe o chamou fazendo um movimento com a asa. O pequeno pardal, ainda com medo,
fez que não com a cabecinha. Mas a mãe insistiu, e ele andou um pouco mais para
frente chegando ao final do galho. Olhou de novo para baixo e por um instante
teve a certeza que nunca conseguiria levantar voo. Mas olhou para a mãe
novamente e os olhos dela diziam-lhe “Vem! Você pode!” – e ele enfim tomou
coragem.
Abriu
levemente uma asinha e depois a outra. Sentiu o vento passar por entre suas
penas e a sensação foi incrível. Respirou fundo, fechou os olhos e por fim,
saltou.
Um tanto desengonçado, o pardalzinho bateu as asas de forma desordenada e começou a perder altitude. Sentiu seu corpo caindo rapidamente e achou que vencer o ar era tarefa apenas para alguns pássaros. Mas, durante a queda, percebeu que não estava sozinho, sua mãe o acompanhava mostrando-lhe a forma exata de movimentar as asas. O pardalzinho copiou os movimentos e começou, aos poucos, estabilizar-se no ar. Deu um impulso maior com o corpo e finalmente percebeu que estava voando.
Sua
mãe encheu-se de orgulho mais uma vez, enquanto o pardalzinho já ensaiava
alguns movimentos mais elaborados dando piruetas. Ele era todo alegria. Era o
próprio símbolo de liberdade, era amigo do vento, um vencedor. Foi então que
aconteceu.
Uma
pedra maior do que seu próprio corpo, lançada por algum menino sem coração,
atingiu-o. Não pôde desviar o pardalzinho mesmo com o grito de alerta de sua
mãe.
Sentindo
o ferimento, o pobre pássaro pôs-se a cair velozmente quase perdendo os
sentidos. Sua mãe, tentando agarrá-lo, perdia altitude também. A queda era
iminente, e o pequeno pardalzinho teve a certeza que encontraria seu fim
naquela manhã de fevereiro.
A
mamãe pardal estava desesperada. O solo estava próximo, e então, reuniu toda a
força que somente uma mãe pode ter e, num último esforço, segurou seu filho e
voou como nunca tinha voado.
Batendo as asas com mais força do que jamais pensou que poderia, subiu e conseguiu chegar até seu ninho com seu pequenino filho inconsciente e ferido.
Durante
dias, o pequeno pardal permaneceu desacordado, e sua mãe achou que seu filhote
a deixaria para sempre. Ela então chorou, e uma lágrima caiu sobre o filhote. E
as lágrimas da mamãe, caindo uma a uma no filho, fizeram com que um segundo
milagre acontecesse na vida do pardalzinho. O pequeno abriu um dos olhinhos e
viu sua mamãe. Levantou vagarosamente sua cabecinha e procurou de novo o melhor
lugar do mundo.
Semanas
se passaram e o pequeno pardal recuperou-se. Ficou forte novamente, começou a
crescer de novo. Suas asas se fortaleceram, suas penas ficaram ainda mais
belas. Era um lindo pássaro agora.
Mamãe
pardal então o convidou para voar. Queria mostrar seu filhinho recuperado para
todas as suas amigas.
Mas
o pequeno pardal não queria mais voar. Tinha medo, um medo horrível. Lembrava
com tristeza daquele seu dia fatídico e um frio corria-lhe à espinha. Não, não
voaria mais. Nunca mais.
A
mamãe voltou para o galho onde estava seu filho. Com a asa, alisou-lhe as penas
da cabeça. O pequeno pardal olhou para sua mãe, e os olhos delas disseram-lhe
novamente: “Vem! Você pode!”.
O
pequeno pardal ergueu-se. Estufou o peito. Deu alguns passos em direção ao
final do galho. Parou e olhou para sua mãe. Ela entendeu o seu olhar. Era um
olhar de agradecimento àquela que tinha lhe ensinado mais uma preciosa lição.
Ele
agora sabia: Ainda que alguém tente impedir seus voos, sempre haverá aqueles
que te segurarão em uma queda. E é por você e por essas pessoas que vale a pena
lutar e vencer.
Era
isso que ele pensava, enquanto vencia, mais uma vez, o ar em seu voo.
Fim
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